Estou de mudança. Na verdade sempre estive, sempre estamos. A gente muda o tempo todo, mas agora é hora de ser literal. Eu vou sair do meu quarto, desse apartamento, desse bairro. Talvez você não se lembre, mas esse é um dos meus sonhos desde que eu tinha 8 anos. Devo ter mencionado em alguma conversa existencial imbecil minha.
Não sei por que te escrevo, não sei nem se vou enviar isso. Mas é que o alívio é tão grande que eu preciso comunicá-lo a você. Chega de ficar tenso toda vez que coloco o pé pra fora de casa ou dou sinal para aquele ônibus. É muito torturante viver tão perto de alguém que partiu seu coração.
Acho que eu deixei bem claro para você o quanto eu lhe gostava. E é por isso que eu não entendo o que aconteceu. Foi pouco tempo, mas a falta de satisfação simplesmente arruinou o resto da minha vida. Vê-lo com outras pessoas, por exemplo, me doía. Na minha confusa mente, sua capacidade de levar adiante qualquer coisa com alguém provava que você não tinha problemas com relacionamentos. Tinha problemas comigo.
E eu repassei tudo na minha cabeça, pensando onde eu errei.
Eu ficava entorpecido sobre o assunto. Mas, de vez em quando, eu abraçava meus joelhos à noite na vã esperança de um telefonema. Não necessariamente uma declaração, um pedido pra voltar, um desabafo. Apenas um pedido de desculpas.
Claro que isso foi quando a auto-sabotagem acabou. Pois antes disso tinha uma voz na minha cabeça te defendendo. “Ah, mas ele não sabe o quanto você gosta dele. Ele não tem idéia. Você está sofrendo por causa dele, mas ele não faz idéia. Não culpe o menino”. Mas essa voz, mesmo que teoricamente e tecnicamente estivesse certa, foi se calando.
E a partir daí, ladeira abaixo. Foram várias pessoas, estradas e corações. Buscando alguém igual você ou extremamente diferente, sempre em cheio na direção do fracasso. Todos irrelevantes agora, assim como eu sou para você.
Eu não consigo acreditar que, no seu livro, eu sou aquela página que ficou borrada de café antes de ser lida. Aí você lê rápido, pois quer se livrar dela logo, daquelas ranhuras e de todo aquele papel curvado. Não que isso seja novidade, mas o texto ali é tão importante quanto qualquer outro e merecia ter sido lido com afinco. Não como se fosse inferior nem superior. As páginas dos livros, todas elas, querem essa justiça. Você devia ter dado isso a elas. Mas agora não adianta, não é? Você já terminou esse livro e está em outro. Talvez ainda outro. A mancha que se foda. Fechados e empilhados, os livros são iguais. E nossa capa não faz jus ao conteúdo.
Odeio receber e-mails longos com desabafos (sim, já aconteceu comigo), mas isso faz muito bem para quem escreve. Dá uma sensação de ponto final. E é disso que eu preciso. Você ter terminado tudo da maneira que fez, me mistura a sensação de que você me odeia com a de que é tudo uma pausa, que uma hora vamos retomar de onde paramos. E eu não posso acreditar nisso, eu preciso ir pra frente.
Aliás, esse e-mail está especialmente longo. Você provavelmente não chegou até aqui. Posso começar a falar idiotices, como a cor das minhas novas paredes ou o último CD que baixei. Me lembra Miranda July no filme “Eu, Você e Todos Nós” (sua cara, já assistiu?), onde ela pede pra moça do museu lhe telefonar e dizer “macarrão” caso tenha visto certa fita VHS até o final. E eu bem gostaria de saber o quão fundo você foi nesse texto. Um sinal pode até vir, mas não vou esperar nenhum “macarrão” seu. Não mais.
Soldado, você tem permissão para se retirar.
Texto de 2007