17 de abril de 2008

Mundo plástico

Se inventassem uma escala de valor para as coisas, se as coisas fossem enumeradas conforme sua importância para a humanidade, em que lugar estaria o plástico? A resposta pode ser resumida numa só conclusão: tudo hoje em dia leva plástico. Tudo é plástico. Não há um aparelho que não tenha plástico, não há nada que consiga escapar deste material.

Ai, ai, ai. Como é chato explicar melhor estas questões para os leitores mais exigentes. Ok, nem tudo no mundo tem plástico. Um anel de ouro não tem. Mas o que vale é a força da expressão. Então: não há nada no mundo moderno que fuja do plástico. Ele merece, na escala das descobertas importantes, pelo menos o 5º lugar.

1º, a roda. 2º, o fogo. 3º, as armas. 4º, as pílulas anticoncepcionais. 5º, o plástico. Depois vem uísque, xampu, forno de microondas de bandeja giratória, tinta para cabelos, etc.

Como que cada pessoa pode ser tão imensamente diferente da outra e isso ser tão óbvio, a ponto de não pensarmos com mais afinco sobre tal fenômeno? (...) As pessoas são tão ricas; e tanto me atraem, quando repelem. (...) Porque somos todos tão tagarelas, tão impacientes na nossa agilidade de modernos, que não enxergamos no outro seus ingredientes especiais. Então não importa quantas pessoas morreram na enchente da semana passada. Elas já são pessoas mortas e, coitadas, assim devia ser.

Ninguém pensa que a criança que dormia enquanto morria soterrada era, pela primeira e última vez no mundo, ela. Aquela criança não vai voltar. Dela restou o olhar, que é da mãe, os pés chatos, que são do pai, e um irmãozinho que tem a mesma pinta de nascença da coxa.

Desde pequena tenho esse hábito, injustamente confundido com não fazer nada, de ficar observando as pessoas. E jamais foi desagradável fazer longas viagens de ônibus. Morar longe de tudo. Em parte, aliás, foi este o motivo de tantas elocubrações. Bastava ter lugar para sentar e alguns tipos para analisar. Eu era capaz de concluir sobre uma vida inteira, só precisava olhar a nuca do indivíduo. Foi quando determinei que existem apenas três defeitos físicos decididamente irremediáveis: não ter cintura, ter tornozelo grosso e braços curtos.

Trechos do Livro: "A Sombra de Vossas Asas", de Fernanda Young